Com a reforma processual civil de 2015, bem como a partir das inovações decorrentes da digitalização dos processos, acelerada em virtude das imposições da pandemia de Covid-19, novos paradigmas foram sendo estabelecidos no direito processual penal, acentuando o antigo dilema garantias vs. eficiência.
A NOVA REALIDADE VIRTUAL JURÍDICA
Certo é que as inovações tecnológicas da sociedade hodierna trouxeram consigo novos desafios para os aplicadores do direito, que buscam sempre se adequar à realidade de modo a prestar à população o serviço mais equânime e eficiente.
Vale dizer, num mundo onde a imensa maioria utiliza ferramentas digitais como forma de comunicar-se, seria atávico ignorar esses meios e priorizar mecanismos obsoletos, ineficientes e mais custosos. Como exemplo, pode-se imaginar a situação de citar/intimar um sujeito pelo aplicativo whatsapp ou mediante correio – carta AR. Ao passo que o aplicativo é rápido, eficaz e livre de custos, o correio implica custo humano e financeiro, além de ser mais demorado.
Entretanto, analisar o cenário apenas sob o prisma da eficiência é fechar os olhos para a teleologia do direito, que, ao fim e ao cabo, busca sempre a consolidação dos direitos fundamentais, pautada nos princípios inerentes ao conceito de Estado Democrático de Direito. As leis processuais, neste sentido, servem de garantia do indivíduo contra o arbítrio Estatal, traduzindo-se em segurança jurídica.
A INOVAÇÃO LEGISLATIVA NAS INTIMAÇÕES DE TESTEMUNHAS NO CPC/2015
Nesta toada, tem sido cada vez mais frequente deparar-se com despachos em processos criminais determinando que o advogado observe a regra do art. 455, do Código de Processo Civil, no que concerne à intimação das testemunhas arroladas pela defesa. Vejamos o que prevê este dispositivo:
Art. 455. Cabe ao advogado da parte informar ou intimar a testemunha por ele arrolada do dia, da hora e do local da audiência designada, dispensando-se a intimação do juízo.
Com efeito, a legislação processual civil só é aplicável ao processo penal em casos de lacunas legais, de modo que o dispositivo invocado não é válido quando se trata de um processo de natureza criminal. Senão vejamos o que preleciona o Código de Processo Penal no tocante às intimações:
Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá arguir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. (Incluído pela Lei nº 11.719, de 2008). (grifo aposto)
Art. 370. Nas intimações dos acusados, das testemunhas e demais pessoas que devam tomar conhecimento de qualquer ato, será observado, no que for aplicável, o disposto no Capítulo anterior. (Redação dada pela Lei nº 9.271, de 17.4.1996) (grifo aposto)
Este o disposto no Capítulo anterior (Das Citações):
Art. 351. A citação inicial far-se-á por mandado, quando o réu estiver no território sujeito à jurisdição do juiz que a houver ordenado. (grifo aposto)
A INAPLICABILIDADE DA LEI PROCESSUAL CIVIL AOS PROCESSOS CRIMINAIS À LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Afora o debate envolvendo a redação do artigo 396-A, do Código de Processo Penal, que gerou diversas discussões por conta do “quando necessário” ao final, o certo é que a intimação, quando necessária, será sempre realizada pelo Juízo e não pelo advogado de defesa. Ou seja, as testemunhas no processo penal, independentemente de serem arroladas pela Acusação ou pela Defesa, devem ser intimadas por mandado, através de oficial de justiça. Isso decorre do princípio da ampla defesa, do caráter público do direito penal e de sua consequente indisponibilidade.
Em outras palavras, a Defesa não pode se responsabilizar pela intimação das testemunhas sob pena de perda da prova, uma vez que a liberdade do acusado não é um direito disponível, mas um direito fundamental positivado no art. 5º da Constituição Federal, razão pela qual inaplicável o mesmo princípio fundante do Direito (e processo) civil no que concerne à matéria.
Em sendo o interesse deduzido na causa público (coletivo), titulado pelo Estado, não incumbe ao réu (indivíduo) uma função que decorre do próprio poder punitivo do Estado, que é a garantia do devido processo legal. Sendo o interesse da causa, pois, exclusivamente do Estado, é ele quem deve arcar com o ônus do processo. É por isso, diga-se, que o processo penal (excetuada a ação penal privada) é isento de custas pelo réu.
NO PROCESSO PENAL, FORMA É GARANTIA
Assim, embora o art. 455 do Código de Processo Civil busque conferir mais eficiência ao processo, atribuindo-se às partes, através de seus procuradores, a responsabilidade por intimar as testemunhas por si arroladas, no processo penal esta disposição esbarra em direitos fundamentais inerentes à própria natureza do processo penal, que se contrapõe totalmente ao processo civil em seus princípios originários. Enquanto no processo civil a forma é instrumento, no penal a forma é garantia.
Brunno R. de Lia Pires