Pedro Guilherme Müller Kurban[1]
NOVA LEI EM DEFESA DOS ANIMAIS
A Lei nº 14.064 de 2020 trouxe um pronunciado aumento da pena prevista para os casos de maus-tratos contra cães e gatos, alterando o Artigo 32 da Lei dos crimes ambientais A partir da nova redação sancionada pelo presidente da República, agora a condenação tem o condão de gerar reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos. Vale recordar ainda que, em caso de morte de cães ou gatos, a pena deve ser acrescida de um sexto a um terço.
PUNIÇÃO AOS MAUS-TRATOS X PUNIÇÃO AOS CRIMES CONTRA A PESSOA
A extensão da pena supera a de grande parte dos crimes contra a pessoa, a saber homicídio culposo (de 01 a 03 anos), lesão corporal leve (de 03 meses a 01 ano), aborto provocado pela gestante (de 01 a 03 anos), aborto de terceiro com o consentimento da gestante (de 01 a 04 anos), assim como pena mínima superior à lesão grave e igual à pena máxima – que é de 01 a 05 anos.
Ora, essa punição denota que o ordenamento jurídico pátrio escolheu sobrevalorizar a vida animal em relação à humana, o que espelharia o humor social.
Poder-se-ia argumentar que as penas cominadas nos delitos contra a pessoa é que estão pequenas demais; entretanto, interessa assinalar a desproporcionalidade entre os crimes, a não ser que, de fato, pela moral hodierna, a integridade física animal mereça maior consideração que a humana, consumando-se um processo em curso de inversão de valores.
RECRUDESCIMENTO PENAL COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA CRIMINAL
Resta a dúvida mais do que razoável do uso reiterado de recrudescimento legislativo penal como política criminal, o que, aliás, é constantemente criticado por setores apologetas dessa novel penalização, o que se pode apontar como parte dessa hipocrisia despenalizadora assaz seletiva.
Com efeito, este agravamento penal não surge isoladamente, inserindo-se no movimento mais amplo em prol de tornar o animal como sujeito de direito, equiparando-o ao ser humano, ainda que nesse caso esteja superando-o em estima normativa.
Quando faço uma distinção entre os seres humanos e os outros animais, não confiro um significado moral à diferença de espécies, mas à diferença entre um ser moral, que vive como sujeito e objeto de juízo, e um ser não moral, que apenas vive.[2]
PERSPECTIVA PANTEÍSTA E SENTIMENTALISMO
Trata-se de um intento na esteira da crescente perspectiva panteísta-naturalista, quando se substitui Deus pela Mãe Natureza, decorrente da piedade com os animais – em uma acepção transposta do cristianismo.
“… e esse sentimento é o resíduo da religião em todos nós, quer o admitamos ou não[3]. A piedade, a valer, se transmuta em Sentimentalismo e há, portanto, algo coercitivo ou intimidador em exibições públicas de sentimentalismo. Tome parte ou, no mínimo, evite criticar […] exibições de sentimentalismo público não coagem apenas os transeuntes ocasionais, como que os sugando para um fétido pântano emocional, mas quando são suficientemente fortes ou disseminadas, começam a afetar as políticas públicas. Como veremos, o sentimentalismo permite que o governo jogue ossos para o público em vez de enfrentar os problemas de maneira determinada e racional, ainda que também inconvenientemente controversa[4]”
CLIMATISMO. SUBSTITUIÇÃO DO HUMANO PELO ANIMAL.
Ainda, não se pode olvidar o contexto político-social do climatismo e da pauta ecológica, que ocupam significativos espaços da discussão pública na política e na imprensa. O fenômeno é mais abrangente, especificamente no Brasil, em que, a título exemplificativo, pode-se verificar que as notas de Real substituíram as figuras históricas e de heróis por figuras de animais. Em um plano mais microcósmico, atente-se para a opção dos casais por pets em vez de filhos.
A ausência de autoconsciência neles neutraliza nossa posse dela, e sua silenciosa incapacidade de se constranger permite que derramemos sobre eles nossa solidariedade reprimida, sem medo de sermos julgados ou repreendidos. […] o cão é uma companhia mais fácil que uma pessoa[…].[5]
SOBREVALORIZAÇÃO DA VIDA ANIMAL EM DETRIMENTO DA HUMANA
Assim, paralelemente, verifica-se a perda do valor da vida humana, que vem compensada pela relevância do bem-estar animal. Tem-se uma verdadeira confusão mental sobre o que é o humano, quem é o semelhante; por isso, incrementa-se a empatia com cães e gatos, ao passo que cresce a desconfiança com o homem, herança longínqua da ideia rousseauniana do bom selvagem.
Quando chega ao direito é porque o mindset acadêmico-midiático já formatou suficientemente suas teorias no corpo da sociedade, sendo apenas a solidificação a posteriori do fenômeno. Entre esses modismos destaca-se o especismo, que seria um preconceito contra animais. “Richard Ryder, aliás, inventou a palavra “especismo” para descrever o pecado de fazer distinções morais entre seres humanos e outros animais, sugerindo que esse hábito de discriminação é semelhante ao racismo e ao sexismo”.[6]
Será deveras um avanço civilizatório?
[1] Advogado Criminalista. Especialista em Ciências Penais.
[2] SCRUTON, Roger. Uma filosofia política: Argumentos para o conservadorismo. Tradução Guilherme Ferreira Araújo. 3.ed. São Paulo: É Realizações, 2017,p.69.
[3] Ibid.p.66.
[4] DALRYMPLE, Theodore. Podres de mimados: as consequências do sentimentalismo tóxico. Tradução Pedro Sette-Câmara. São Paulo: É Realizações, 2015. p.76.
[5] SCRUTON, op. cit.,p.68.
[6] Ibid.p.68.