As decisões do STF têm sido objeto constante do debate na mídia e na política; no mesmo compasso, as primícias do ordenamento jurídico confrontam-se com o tensionamento do direito penal e processual penal, notadamente sob o prisma constitucional. A questão da criminalização da opinião reacendeu a discussão após a recente devassa da vida privada do cantor Sérgio Reis no bojo de um mandado de busca e apreensão emanado da suprema corte.
A CRIMINALIZAÇÃO DA OPINIÃO – LIBERDADE DE EXPRESSÃO PODE SER RELATIVIZADA?
É, no mínimo, discutível um octogenário artista sertanejo representar uma ameaça à democracia por remeter áudios em tom de revolta com xingamentos a ministros e a senadores, naturalmente mais suscetíveis ao escrutínio popular. Com efeito, se as autoridades não podem ser repreendidas ou mais incisivamente cobradas, quais manifestações a livre crítica abrigaria?
A própria relativização da liberdade de expressão é um pernicioso sinal de que a expressão no país não é livre, mas, sim, discricionária e subserviente ao alvitre dos poderes constituídos, aptos a julgar casuisticamente se tal ou qual crítica lhe convém, esvaziando o sentido mesmo dessa garantia constitucional, justificada paradoxalmente ao abrigo da constituição – ao menos, assim dito.
No mesmo diapasão, é estarrecedora a notícia de que o STF instituiu o chamado “Programa de Combate à Desinformação”, voltando à tona a infeliz declaração do então presidente da corte de que o Supremo seria o editor da sociedade, em um inarredável paralelo com o Ministério da Verdade orwelliano.
ATIVISMO JUDICIAL E DEFESA DA DEMOCRACIA
A partir desse panorama, constata-se um ativismo extensivo, que se vale de instrumentos cautelares e, portanto, pré-processuais, para intimidar, inibir e constranger manifestações e opiniões. Deveras, se não há potencialidade da conduta se tornar crime, a medida cautelar é indevida.
O poroso e elástico conceito de Fake News ou de ameaça à democracia não pode servir de salvo-conduto para justificar toda e qualquer determinação drástica ao arrepio do direito, ainda mais porque notícia falsa ser um crime já é bastante controverso, por padecer de tipificação clara e insofismável.
Poder-se-ia dispensar a legalidade de modo tão escancarado em nome da alegada defesa da democracia? Evidente que não. A defesa da democracia não autoriza a corrosão do estado democrático de direito – ainda que supostamente temporária.
O PODER DA MÍDIA NA CRIMINALIZAÇÃO DA OPINIÃO
Por seu turno, o clamor político-midiático insufla a reação judicial desmesurada ao conotar meras desaprovações e bravatas enquanto ataques.
Evidentemente, para a imprensa, apenas as críticas de um dos lados do espectro político são enquadradas como ataques; do outro, são simples respostas sensatas ou reprimendas pontuais, manejando o humor do público com esse verdadeiro jogo de palavras.
De fato, liberdade é exatamente poder falar aquilo que os poderosos não querem ouvir; trata-se do diferencial entre regimes democráticos e seus simulacros tirânicos.
Pedro Guilherme Müller Kurban
Advogado Criminalista